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Carta aberta a Linda de Suza deixa todos os emigrantes emocionados

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Carta aberta a Linda de Suza deixa todos os emigrantes emocionados

Linda de Suza morreu aos 74 anos, depois de vários meses de internamento, em França. A famosa cantora teve uma vida de superação, que merece ser destacada, até pelo exemplo que ela sempre foi, especialmente para a comunidade emigrante, como fez questão de referir o jornalista Luís Osório.

No seu habitual ‘Postal do Dia’, que o jornalista sempre escreve nas suas redes sociais, compartilhando as suas opiniões com os seus milhares de leitores, Luís Osório versou-se sobre Linda de Suza e aquilo que a cantora sempre significou. Uma memória que vai perdurar para sempre, da jovem estrela que partiu para França, como tantos outros portugueses, para conseguir uma vida melhor e foi encontrar o estrelato.

Da pobreza que tinha em Portugal até aos maiores palcos do mundo, numa vida muito recheada, em que se tornou o ícone máximo do emigrante, “um exemplo para todos os portugueses que viviam na miséria e sem horizontes”, mas que, no fim de contas, podiam ser tudo. Como ela foi. Um texto sensacional de Luís Osório, que vai tocar especialmente no coração de todos os emigrantes.

Fique com o ‘Postal do Dia’:

“Linda de Suza e os baldes que existiam em vez de casas de banho

1.
Os mais novos talvez não se recordem que houve um tempo em que a miséria estava escondida dos olhares.

Não uma miséria parecida com a que vemos hoje – a que existia há 50 anos era mais funda, mais larga.

Em 1971, no ano em que nasci, havia muito mais gente a viver com dificuldades. Gente que sobrevivia com o que tinha, sem ajudas, escondida dos olhares, sem saber ler ou escrever, gente para quem o horizonte era uma palavra utópica.

2.
Alguns dos que me leem ou ouvem poderão estar a dizer que agora também existem pessoas nessa condição, que são muitas.

Claro que sim.
Mesmo que fossem dez, já seriam demasiadas.

Mas não é verdade.
É incomparável.

Em muitas casas da minha infância não existiam condições mínimas. As pessoas faziam as necessidades básicas num balde e despejavam a merda para um charco de esgoto como se fosse normal.

Era normal.

As mercearias tinham contas abertas e a palavra “fiado” era o livre-trânsito das famílias.

A água do banho, nas famílias pobres, mas ainda assim menos pobres do que a maioria, era coisa de domingo.

A minha avó Joaquina lavava-me a cabeça ao domingo e levava panelas de água quente da cozinha para a casa de banho onde eu esperava a tremelicar de frio.

E eu sentia-me um privilegiado.

3.
Metade da população não sabia ler.

E uma parte importante dela fugia de Portugal para um dia poder regressar com um carrinho e uma dignidade.

Em França, na Suíça ou na América, os mais humildes e corajosos de entre nós aceitavam o que os de lá não queriam fazer.

Limpavam as casas, abriam estradas, batiam as chapas, trabalhavam em morgues e cemitérios.

Faziam o trabalho duro e não se queixavam.

Ao contrário de outros, éramos “pobrezinhos, mas honrados” também no modo como aceitávamos ser escravos em troca de um salário que aqui não existia.

4.
Em Paris, alojávamo-nos em bairros de lata onde mantínhamos as tradições com orgulho das nossas raízes e fazíamo-lo às escondidas, como os cristãos nas catacumbas de Roma.

Os franceses gozavam connosco.

Diziam que as nossas mulheres tinham bigode, que os nossos homens eram umas bestas de carga alimentados a tinto barato, que as nossas crianças adormeciam com “sopas de cavalo cansado” e eram por isso mais burras do que as outras.

Chegávamos a outros mundos e carregávamos o que o país era.

O que o Estado Novo permitiu que fôssemos.

Bem-comportados, sem fazer ondas e barulho, mas sem instrução, sem conhecimento do que era higiene, do que era viver sem ter de sobreviver.

5.
Os mais jovens de entre nós não sabem da missa a metade.

E talvez ainda corram o risco de acreditar em alguns comentários que definem a democracia como um regime que tem de morrer para dar lugar aos que são sérios, aos que nos devolverão o que perdemos no caminho.

Não quero que me devolvam nada.

Não quero que milhões de nós tenham outra vez baldes em vez de canalizações.

E que tenham de emigrar para fazer o que os outros não fazem.

Como a Linda de Suza que ontem partiu.

Talvez os mais jovens desconheçam a importância que teve.

Ela foi tudo isto. Uma entre oito filhos de uma família de Beja. Entregue pelos pais a um asilo por não haver mais batatas para pôr no tacho. A trabalhar desde os 11.

Em 1971, no ano em que nasci, foi para França com um bebé de colo.

Fez o que tinha de fazer.
Fez o que outros faziam.
Mas tornou-se, pela força do destino, uma estrela da música.

E tornou-se também um exemplo para todos os portugueses que viviam na miséria e sem horizontes. Podíamos afinal nascer portugueses e ser admirados.

Que poderíamos fazer-nos ao caminho com uma mala de cartão e, ainda assim, esperar o melhor.

Linda de Suza foi isso.
E eu não o esqueço”.

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